Gatos, Almas e 5 Cents #5
Olá, povo!
Voltei e nem faz um mês, hein? Bom sinal, mas não se acostumem.
A todas as pessoas que chegeram agora, fiquem à vontade! Peguem uma cadeira, bebam o que acharem na geladeira e cuidado com a mobília.
A QUARTA DOSE
Anteontem chegou a minha vez de tomar a quarta dose da vacina contra a Covid.
Desde o começo da vacinação ouço amigos falarem do rebote terrível nos dias seguintes à aplicação, mas das três primeiras vezes passei SUPER tranquilo. No máximo uma dor incômoda no braço durante a noite. No outro dia, já estava cem por cento.
Mas dessa vez... Bom, dessa vez fodeu.
Tomei a vacina na quinta-feira de manhã, no mesmo dia da gravação do Podcast Dragão Brasil 150. Imprudente? Talvez, mas sou ansioso e queria acabar com isso assim que pudesse. Tenho uma viagem marcada para daqui um mês e queria fazê-la com a tranquilidade de estar protegido contra o vírus, uma vez que devo encontrar muita gente (igualmente vacinada).
Durante a gravação me senti um pouco grogue, com um pouco de dor, mas nada insuportável. Parecia que ia dar para tirar de letra. Pelo menos até eu ir dormir.
Quando acordei de manhã, parecia que tinha sido atropelado. O corpo doía e o braço pesava uma tonelada (já tinham me alertado sobre isso no Twitter). Me arrastei para fora da cama, mas nenhuma posição parecia confortável na cadeira. Suspendi todos os compromissos e tentei me preocupar apenas em existir até que o dia acabasse.
Foi horrível, sim, mas durante todo esse processo eu tentava imaginar o que tinham passado todas as vítimas desse vírus maldito. Se a vacina foi assim, imagine contrair a doença, sem nenhuma proteção, sem nada.
Hoje, sábado, restou a dor no braço (bem menos incômoda) e um incômodo muscular por ter passado a sexta todo torto. Mais gente podia ter sentido só isso se quem decide as coisas tivesse sido minimamente responsável. Lembrem-se disso.
EVERYTHING
Da última vez falei muito sobre criatividade e sobre assistir algo que da aquele estalo de "Caralho, é isso que eu queria fazer" e "Merda, não da para chegar nem perto disso". E aconteceu de novo.
Dessa vez foi assistindo Tudo ao Mesmo Tempo em Todo Lugar (que é mais fácil de falar que o título original, Everything, Everywhere All at Once). Foi bem chocante e não aconteceu só comigo. Falei com o meu amigo e diretor de cinema, Fernando Sanches, e ele também estava embasbacado. Precisou de uns dias para assimilar tudo.
É um filme incrível. Se for assistir, tente fazê-lo sem nenhum conhecimento prévio. É bom aproveitar enquanto ainda tem ares de filme cult. Quando a temporada de premiações começar forte, muita gente vai descobrir e sair falando por ai. Não digam que eu não avisei.
PROJETO SECRETO
Andei conversando sobre bloqueios e ideias com o Leonel Caldela, num papo informal mesmo, e uma das coisas que tirei disso foi que eu preciso voltar a criar coisas que não sejam necessariamente ALGO.
Antes de ter carreira ou editora, você inventa as coisas só porque quer inventar. Você não sabe se a história vai dar em alguma coisa, se alguém vai querer publicar ou mesmo se vai ser legal de verdade, mas faz porque é legal ficar viajando. No momento, estou tentando resgatar isso aí.
Acho que entre o começo do ano e o fim do ano passado tive uma ideia do tipo "E se...?" e comecei a fazer as anotações. Não existe exatamente uma história, mas existem personagens, ambientes, situações. É como criar um cenário, para depois ver se surge algo no meio disso tudo.
Não é nada para RPG, não é fantasia e não é Tormenta (me incomoda um bocado quando as pessoas acham que tudo o que eu faço ou dou pista é algo para Tormenta ou RPG. Minha produção vai muito além disso). E também não vou divulgar, porque quando você faz isso, acaba a diversão. Vira um projeto de verdade, sujeito a cobranças interna e externas, e aí já era.
Mas eu quis compartilhar porque pode ser o caminho para mais gente. Menos planejamento, mais diversão. E se o troço engatar de vez, aí sim da para pensar em mudar a prioridade.
CONTO!!!
Sim! Com todos esses papos e análises e tudo mais, semana passada escrevi um conto novinho! E a melhor parte: vocês vão poder ler assim que eu acabar de falar bobagem!
A ideia surgiu de um jeito muito legal, mas vou deixar para compartilhar os bastidores na próxima newsletter. Não quero afetar a intepretação de vocês!
Se gostar, mande um comentário por aqui ou no meu Twitter (@JMTrevisan). Vou ficar bem feliz em saber!
Ah, um outro conto meu foi publicado na Dragão Brasil de junho (mas esse foi escrito há 10 anos, só tava engavetado)! Para assinar a revista, que tem muito mais coisa além disso, é só clicar aqui!
A Sala Livre
por J.M. Trevisan
Primeiro eles tiraram nossos carros. Ninguém sabe como.
Eduardo insistiu por um bom tempo que ouviu o portão elétrico abrir sem ser forçado, depois o ronco do motor partindo rápido pelas ruas do condomínio fechado até sumir pela estrada. Diz que olhou pela janela e viu as luzinhas traseiras desaparecerem ao longe. O que sempre pareceu impossível, porque aquele tipo de portão só existia na Europa, e o carro só ligava com a digital dele.
Então foram as reformas. Percebi quando as marteladas pararam no andar de cima, depois no de baixo, e quando deixei de ouvir qualquer serra ou makita ao longe. “É como se todos os passarinhos tivessem parado de cantar”, disse minha esposa, Vera, assustada.
Os escritórios esvaziaram, porque não havia ninguém para manter tudo arrumado ou exercer as funções mais básicas. Quanto mais baixa a importância do setor, mais vazio. As agências cegaram suas câmeras e as TVs cancelaram seus programas. Sem ninguém para influenciar com suas cores e slogans, não havia mais motivo para torrar o que ainda existia de energia disponível. Quando a internet se foi de vez, celulares viraram apoios para copos ou, depois, pesadas armas de arremesso.
Porque quando a bolsa de valores perdeu seu sentido todo mundo entendeu que era realmente sério. Que engrenagens sem dentes não serviam para nada. A frase nem é minha. Lara, a última coach do bairro, foi quem gritou a plenos pulmões, implorando por atenção em sua última palestra não solicitada. Era difícil convencer alguém a urrar como um urso ou se olhar no espelho em auto-admiração quando faltava comida.
Não demorou para o pessoal começar a se organizar. Os publicitários e produtores da Vila Madalena. Os cryptobros da Faria Lima. Os donos de lojas da Oscar Freire. Os empresários da Avenida Paulista. Cada um de nós munido de nossas armas garantidas pela lei, por Deus e pelo homem, prontos para lutar pelo que era nosso.
Lara teve a cabeça esmagada por um estagiário que usava um grampeador como soco inglês, na Rua Purpurina. Vera caiu no vão da linha amarela e foi chutada até morrer por jovens vestidos e pintados de laranja da cabeça aos pés. Se escapei, foi por mérito.
Pode fazer pouco sentido lutarmos uns contra os outros, mas faz menos sentido ainda lutar pelo que eles têm. Ninguém quer os campos, as feiras, as músicas péssimas. Queremos nossos prédios e casas planejadas. Queremos nossas piscinas na sacada, nossas salas fitness, nossas saunas, nossos living spaces, churrasqueiras e spas. Nossa conquista. Nossos monumentos. Nosso legado.
Eduardo me ajudou a chegar em um apartamento enquanto a maior parte brigava pelos condomínios fechados. São vinte e sete metros quadrados bem decorados, tendência nos últimos anos na cidade. Ninguém quer um lugar grande demais para limpar.
Infelizmente não era o suficiente para nós dois. Eduardo teve que se contentar com o fosso do elevador. Eu não podia arriscar que mudasse de ideia.
Tenho três quadros do Romero Brito, um minibar com garrafas de uísque, um sofá de dois lugares e um Playstation 5. Tem poucos jogos mas eu me viro. São vinte e sete metros quadrados, quase uma sala, mas está livre e é minha. Meu reino. Survival of the fittest.
Tenho tudo o que preciso. Tudo o que posso querer.
Por enquanto.
Por hoje é só, galera!
Cheers!
J.M. Trevisan